Web-Suq

Escrevi esse post já já há alguns anos e o dediquei a uma amiga que tinha acabado de voltar de uma viagem fantástica feita ao Marrocos. A reportagem fala de um grupo de mulheres marroquinas, habitantes de N’Kob que, com a ajuda de Susan Davis (antropóloga americana que vive no Marrocos há mais de 30 anos) vende seus tapetes através do Suq (mercado) virtual. Achei tão legal que resolví transcrevê-la na íntegra.
E fica a dica pra quem for ao Marrocos: compre sempre tapetes diretamente da fonte (ou cooperativas), daí tem-se a certeza do destino do dinheiro pago.
Eis a reportagem (é longa mas vale a pena ler):

“N’Kob é um pequeno grupo de casas entre as montanhas de Siroua, no Marrocos, onde vivem 80 famílias bérberes com suas 2500 ovelhas e 300 vacas. Não tem água, nem esgoto, e a luz chega somente duas horas por dia, graças a um gerador alimentado por um motor a gasolina. Para chegar lá percorre-se 27 quilômetros de pista desétrica. Fadma nos acompanha dentro de uma casa, onde, atrás de um tear, trabalham Aicha e sua mãe, vestidas com o tradicional chador. Depois de 3 meses entrelaçando lã colorida, o tapete fica pronto e as mulheres o fotografam com uma pequena câmera digital. Para elas, é um momento emocionante: o produto está para ser exposto no suq virtual. Habiba prepara a mula, pega água para a viagem e vai à caminho de Tazenakht, para chegar ao cyber-café mais perto. Como toda semana, ela se conecta à internet para acessar a loja virtual e colocar na vitrina a foto apenas tirada. Neste momento, o pedido para compar seu tapete pode chegar a qualquer parte do mundo. www.marrakeshexpress.org é o endereço da home page, que se abre, em inglês, com a frase de boas vindas aos compradores: ‘Esta é marrakeshexpres, a nossa loja on line de tapetes e almofadas marroquinas’.
Uma idéia simples, mas revolucionária, criada por Susan Davis, antropóloga americana que vive no Marrocos há mais de 30 anos, juntamente com algumas mulheres que acreditaram nesse seu projeto. ‘Há muito tempo eu pensava em um sistema que fizesse, de um lado, com que as mulheres bérberes se reapropriasem do antigo ofício da tecelagem, e do outro que as tornassem livres do poder dos intermediários, que sempre exploraram o trabalho delas. Acreditei na potencialidade da Internet e pedi às mulheres de N’Kob que tivessem confiança naquilo que eu estava criando’, diz Susan Davis. Uma aposta vencida, porque desde que o suq virtual está em atividade (cerca de 4 meses) foram vendidos 20 tapetes, com um lucro dobrado em comparação às vendas tradicionais nos mercados. Aicha, com o último produto vendido na América, por 800 diram (quase 80 euro), pôde comprar mais ovelhas para ter mais lã no próximo ano. Esse sistema é conveniente até mesmo para os compradores, porque a venda é direta e o preço mais em conta.
Quem entra no suq virtual pode ver as imagens das mulheres de N’Kob: ‘Colocar nossa foto na Rede, nos ajuda a criar um feeling com os clientes’, diz Habiba, ‘e com a fantasia conseguimos até imaginar a viagem que o tapete fará, para a América ou para a Europa, lugares que talvez não conheceremos nunca.’
O suq virtual das mulheres bérberes demonstra como a tecnologia possa ser um instrumento, e não somente um resultado, do desenvolvimento dos vilarejos do sul do mundo. E demonstra, também, como as novas tecnologias da comunicação possam se transformar em um meio comunitário em sintonia com a cultura e com o espírito do lugar, sem serem invasivas mas, ao contrário, úteis ao crescimento das economias locais. Contribuindo para evitar a emigração da população para as cidades.
Já em 2001 a ONU indicava a Internet como um dos sistemas mais eficazes para levantar a economia dos Países mais pobes. Mas, ao mesmo tempo, mostrava o grande abismo tecnológico entre o Norte e o Sul do mundo, portadores de uma nova forma de exclusão: aquela entre os ‘have’ e os ‘have nots’, entre os ‘que têm’ e os que ‘não têm’ os instrumentos para ter acesso à Rede e às novas tecnologias da comunicação.
As mulheres de N’Kob pertencem a categoria dos ‘have nots’, não dispõem de instrumentos próprios, são quase todas analfabetas e no limite da sobrevivência. Mas o suq virtual é uma extraordinária possibilidade, para elas e para todo o vilarejo. Com a venda dos últimos tapetes, por exemplo, conseguiram construir os banheiros para a escola. E já pensam em uma nova biblioteca para as crianças de N’Kob.”

(reportagem de 18/outubro/2003)

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